"Porque atraio sempre a pessoa errada?"
"Porque atraio sempre homens casados?"
"Porque acontece sempre o mesmo quando me entrego a alguém?"
A psicanálise é particularmente enfática do trabalho nesta área das relações humanas. O foco deste trabalho é complexo e compreende habitualmente os fenómenos da transferência, identificações, desenvolvimento psicológico, narcisismo e defesas.
Eis tipos problemáticos de escolha (ou que influenciam a escolha) de companheiro(a) e o curso das relações amorosas:
- Por internalização das figuras e padrões relacionais patogénicos durante a infância (sobretudo), e respetivas angústias. Numa relação adulta, rapidamente ou ao longo do tempo, os dois vão entrando em encenações que de alguma forma lhes são "familiares"... Somos de novo pequeninos, a viver novamente os medos, dúvidas ou confusões de uma outra época de vida. Ou adotamos o outro lado, somos "crescidinhos", já não precisamos mais passar por certas situações, ainda que isso possa implicar fazer o nosso companheiro passar por elas.
- Por força da identificação (enquanto mecanismo e fenómeno psíquico não controlável e inerente ao desenvolvimento de todos nós) com os papéis e modelos de relação homem-mulher, internalizados na infância via da relação pai-mãe. Uma mulher cuja mãe relativizava e suportava penosamente as infidelidades do marido, pode por exemplo recear o compromisso, o tornar-se como a mãe (pois uma parte dela está naturalmente identificada com este papel submisso), e mesmo procurar ser "a outra", enquanto aquela que conquista e não se deixa subjugar...
- Por problemas do desenvolvimento da personalidade e do narcisismo. A procura do ideal e do semelhante, não necessariamente alguém idêntico, mas alguém idealizado, ou seja, que de alguma forma deve corresponder sistematicamente às nossas fantasias e expetativas idiossincráticas, praticamente num registo de confusão entre essas expetativas internas e a individualidade externa do outro. É um quadro clínico frequente e muito incapacitante do prazer e harmonia nas relações - pois impede perceber, aceitar, e sobretudo respeitar e admirar o outro por quem este é, sem nunca perder contacto com toda a complexidade do seu ser e todas as partes que o incorporam - que implica necessariamente um processo de retoma do desenvolvimento via da psicoterapia no sentido do amadurecimento psicológico com ganho de acesso à capacidade de diferenciação psicológica (do Eu/Outro, do Interno/Externo, da Fantasia/Realidade), não sendo habitualmente um processo rápido. Também se podem inserir nesta categoria o procurar um parceiro meramente enquanto "peça" para um cenário amoroso pré-idealizado; muitas vezes o próprio fenómeno do "amor à primeira vista" (exceto no caso de adolescentes); o apaixonamento não necessariamente pela outra pessoa mas pelo tamanho do amor que ela tem por nós; ou a tal procura do semelhante, enquanto reforço de identidade ou, algo mais grave, a procura de anulação das diferenças (o retorno ao estado primário de fusão mãe-bebé e expressão de um desenvolvimento psicológico incompleto à procura de ser retomado via desta experiência fusional- que a psicoterapia facilita, orienta e completa). As discussões nestas relações são muito marcadas pois o choque entre a procura de anulação de diferenças de um e a necessidade de proteção da individualidade e do espaço individual do outro será sempre presente. A exceção é quando um companheiro, de identidade ou capacidade de afirmação mais frágil, se dilui no mundo do outro. São relações que muitas vezes duram décadas, porém quando terminam, uma das partes perde tudo, incluindo a própria identidade, já que a mesma permaneceu (ainda que em parte) diluída na identidade e no mundo da outra pessoa. Para o outro parceiro a relação é vivida muitas vezes como uma plena "afinidade", já que a identidade do outro não existe, ou tem pouca força. Mas também com desinteresse crescente muitas vezes, pois na verdade é aquilo que é diferente - e que alberga o potencial de crescimento e realização - que nos atrai e excita.
Nas relações adultas é frequente percebermos os registos relacionais mais confusionais mediante por exemplo trocas ou "enganos" persistentes no nome do parceiro. São "lapsos" aparentemente inocentes mas frequentemente ilustrando o registo interno confusional. Outro cenário frequente são por exemplo pais e filhos com o mesmo nome próprio, o que para além dos aspetos psicológicos infiltrados nesta decisão de nomear em espelho, tal dificulta o desenvolvimento da criança pequena no sentido da diferenciação psicológica do "quem é quem" - nomeadamente quando ouve alguém a chamar por ela ou pelo cuidador com nome homólogo. A criança fica naturalmente confusa e tal pode mesmo reforçar a transmissão do problema de pais para filhos (ainda que esta não seja a derradeira origem do mesmo, mas sim dificuldade em lidar com as diferenças, autonomia e espontaneidade da criança).
- Por necessidades defensivas, frequentemente ligadas a problemas do desenvolvimento, narcisismo e integração de identidade. Certas angústias são de tal modo insuportáveis que muitas vezes um dos companheiros é "recrutado" enquanto recetáculo das partes profundamente repudiadas, aversivas ou "nojentas" da personalidade do outro membro do casal, o que resulta em depreciação contínua do companheiro que recebe estas projeções. Este é então vulgarmente alvo de controlo e esforços de modificação da personalidade pelo parceiro projetivo. Outra variante é a procura de um companheiro ideal e idealizado (e idealizável), isento das características "nojentas", de modo a que a associação com este companheiro gere a ilusão da união maravilhosa à prova de tudo o que é mais repudiado, mas que fundamentalmente vêm de dentro da pessoa ainda que seja percebido como vindo de fora, por efeito dos mecanismos projetivos. Porém a ilusão é isso mesmo, e não dura muito. Ou então é mantida a duras custas, muitas vezes pela anulação de parte da personalidade do parceiro. Esta categoria de escolha (ou uso) de companheiro, bem como a anterior, representam escolhas narcísicas de parceiro - a função derradeira da relação é sustentar o equilíbrio narcísico de um ou ambos os parceiros (por falha da capacidade interna de auto-regulação da autoestima e sobretudo da estabilidade da autoimagem de um ou ambos os parceiros, que de alguma forma dependerá então do parecer do outro ou da associação a este).
As escolhas de companheiro e curso de relação não tendem a ser assim tão lineares como para se enquadrarem totalmente numa das categorias mencionadas acima. Podemos por exemplo pensar em alguém com um historial de muitas relações falhadas- Na verdade a estabilidade e qualidade das nossas relações depende da nossa capacidade e maturidade relacional, e não tanto de encontrar a pessoa "certa" - nas quais predomina um padrão de instabilidade emocional, discussões e acusações. A partir de um olhar mais profundo encontramos muitas vezes nestas situações motivações (inconscientes ou dissociadas) ligadas a necessidades de vingança insatisfeitas (frequentemente confundidas com necessidade de justiça), como também, dentro da psicologia da própria pessoa, a presença interna de uma vítima e de um agressor, bem como raiva latente, "oculta" ou negada, por escoar... Dinâmicas relacionais patológicas internalizadas, identificações patológicas, dinâmicas sadomasoquistas e problemas do desenvolvimento e do narcisismo de uma forma ou de outra estão presentes.
Pegando no exemplo anterior, podemos pensar que ao longo do tempo da relação, de forma mais subtil ou abrupta, vão começar a surgir atitudes algo desconsiderativas, desrespeitadoras, acusatórias ou mesmo abusivas dirigidas ao parceiro, ainda que desvalorizadas muitas vezes pela própria pessoa, evitando assim a culpabilidade inerente. São atitudes que muitas vezes se alicerçam na convicção ou suspeita apreensiva de que o outro companheiro tem um lado "negro", ainda que não existam provas concretas. Há no entanto uma hipervigilância dos "sinais" no comportamento e atitude do parceiro - sinal de que se procura "algo" dentro do companheiro... O "mau" companheiro, o "falso" companheiro, o companheiro "abusivo" ou "agressor" latente. As atitudes mais "abusivas" de um companheiro projetivo (ou confuso), na verdade servem aqui uma função inconsciente de procurar ir induzindo os aspetos internos "maus" no outro parceiro. No momento em que este outro parceiro finalmente cede e protesta, confirmam-se então as suspeitas paranóides: Afinal o parceiro é verdadeiramente "mau", como se "intuía" ou receava. O protesto (saudável) de um dos companheiros torna-se então recetáculo ideal para a projeção das partes sentidas más, repudiadas e dissociadas da personalidade do outro companheiro, quer da raiva, do sadismo ou do agressor interno. Desta forma pode então ter início o escoamento de agressividade e raiva para com o companheiro protestante, de uma forma isenta de culpabilidade, sendo então satisfeitas quer as necessidades de vingança, quer o alivio do peso do agressor interno, que pode agora ser colocado e atacado no parceiro.
O sadismo e/ou a identificação com o agressor são bem marcados ao longo de todo o comportamento do parceiro que se sente, se vive e se coloca enquanto "vítima", vítima que se protege ou riposta "legitimamente" contra o seu agressor, Na verdade esta "vítima" ela própria demonstra o lado "agressor" desde o início, vitimizando na realidade o outro parceiro. O parceiro que protesta - no sentido de ser ouvido e entendido, e de que cessem as "provocações" ou "acusações", por exemplo - pode de facto ele mesmo tornar-se também agressor. Ou seja, um dos parceiros pode paulatinamente identificar-se com o papel de agressor nele induzido ao longo do tempo mediante as mais variadas provocações do outro parceiro, por exemplo caso os protestos sejam recebidos com mais crítica, acusação ou retaliação. Assim operam as dinâmicas sadomasoquistas nas relações adultas. Não é por acaso que se diz que todo o agressor alberga uma vítima dentro dele ou dela. Frequentemente aquele ou aquela que se percebe enquanto "vítima" em alguns momentos (por exemplo em reação aos protestos de falsas acusações pelo outro parceiro) revela ou encena simultâneamente, de forma mais gradual ou abrupta, um "agressor" interno. A emergência deste lado "mau" ou "agressivo" faz-se acompanhar de uma dissociação da consciência sobre este lado "mau" da personalidade, sendo o mesmo percebido e induzido na outra pessoa. Esta por sua vez sente-se injustiçada, acusada, oprimida, atacada, e eventual e naturalmente perde a paciência e a calma. Cumpre-se então a função "recetáculo", o companheiro que finalmente "demonstra" o lado agressor, manipulador, "mau", etc. - aspeto que na realidade não pertence à sua personalidade.
Pode dizer-se que quando estes problemas e dinâmicas relacionais são particularmente destrutivos e frequentes muitas vezes um dos problemas de fundo prende-se com estruturas de personalidade frágeis, de um narcisismo frágil ao ponto da pessoa não aguentar colocar-se em causa. Desta forma não há responsabilidade ou sentimento de culpabilidade pelos próprios atos, pois tal capacidade não é psicológica ou estruturalmente tolerada. Não existe também estrutura psíquica para o reconhecimento (o confronto) com as partes repudiadas da própria personalidade. Qualquer tentativa de responsabilização resulta somente numa deflexão de uma culpa insuportável de volta à fonte, da mesma forma que todas as partes repudiadas da personalidade são imediata e continuamente expulsas (projetadas) para fora, para os demais. Em casos graves tal funcionamento resulta ao longo do tempo no esvaziamento progressivo do "Eu", gerando um vazio enorme e doloroso. Paralelamente a realidade exterior surge "monstrificada", por efeitos das projeções massiças. Consequentemente instala-se a fuga e/ou ataque do e contra o mundo e contra as pessoas, agora imbuidas de toda "toxicidade" interior.
Muitas vezes este tipo de problemas e motivações psicológicas implica que a própria pessoa procure inconscientemente engendrar e alimentar-se de verdadeiras agressões e injúrias, que quanto mais reais e intensas, melhor. Isto pois conseguem garantir a legitimidade do papel e sentimento de vítima, bem como o reforço da dissociação interna da parte agressora ou sádica da personalidade, atribuída então ao parceiro, o qual é agora atacado num movimento livre de culpabilidade e de evacuação da mesma. O aspeto mais importante e que de facto realça o problema psicológico é precisamente a repetição recorrente do mesmo tipo de padrão sadomasoquista destrutivo ao longo da vida no contexto das relações íntimas, ou de forma persistente e recorrente ao longo dos anos numa mesma relação.
É uma questão sensível, porém podemos muitas por vezes encontrar pessoas em que estas dinâmicas psicológicas internas reforçam ou determinam afinidades para áreas sociais ligadas a temas, contextos e problemáticas na ordem da fragilidade pessoal, desempoderamento, desrespeito, abuso, agressão e crime, nomeadamente em contexto de defesa e/ou punição, como por exemplo a associação a movimentos e instituições de defesa dos direitos das vitimas de violência, como a APAV, protestos públicos ou o meio jurídico.
Enquanto seres humanos tendemos a escolher para nós não as pessoas certas mas aquelas que quânticamente ressoam connosco, ou com algo dentro de nós, algo primitivo por vezes não nomeável, não pensável ou inconsciente. Não é invulgar que o seio dos problemas e angústias numa relação adulta advenham da relação mãe-bebé dos primeiros meses de vida... Não temos memórias desse período de vida pois não temos capacidade de as formar nessa altura, pelo menos da forma como concebemos vulgarmente o termo "memória". Porém um psicoterapeuta na área da psicanálise pode muito bem perceber origem e desenvolvimento destes e de outros problemas de forma relativamente fácil. Para isso serve toda a formação e treino clínico e profissional.
A integração de identidade, marcadamente potenciada por uma psicanálise pessoal, é diretamente responsável pela maior capacidade de estabilidade e harmonia nas relações íntimas e interpessoais de uma forma geral. Trata-se da capacidade de nos representarmos a nós mesmos e aos outros de formas precisas, estáveis e complexas - em oposição a percepções clivadas, ou seja, que nos consideremos pessoas "muito bem resolvidas", sem problemas, sem limitações ou dificuldades pessoais ou emocionais, o que de um ponto de vista da complexidade da condição humana é algo ideal e idealizado, clivado ou distorcidado da representação de nós mesmos. Outras vezes as características menos boas dos demais parecem eclipsar completamente todo e qualquer aspeto bom das respetivas personalidades, num registo de não mais se perceber qualquer benevolência ou qualidade em dada pessoa. Ou então quando se parecem mais com figuras endeusadas que com seres humanos. Somos sermos seres inerentemente complexos e contraditórios, em que dicotomias simplistas como "triste ou feliz", "bom ou tóxico" remetem para alguma imaturidade ao nível da apreensão profunda das subtilezas, complexidade e contradição da experiência emocional humana. A integração de identidade permite também o acesso à empatia, sendo o seu reverso, a dissociação, a clivagem e a projeção e distorção da imagem de nós mesmos, dos outros e do mundo,
Por vezes as pessoas certas são pessoas cuja relação com elas pode mesmo a princípio parecer até um pouco estranha e diferente, mas são relações fundamentalmente calmas, harmoniosas e prazerosas.
Saber mais sobre a influência do desenvolvimento da personalidade sobre as escolhas de companheiro(a) e curso das relações amorosas
"Porque atraio sempre homens casados?"
"Porque acontece sempre o mesmo quando me entrego a alguém?"
A psicanálise é particularmente enfática do trabalho nesta área das relações humanas. O foco deste trabalho é complexo e compreende habitualmente os fenómenos da transferência, identificações, desenvolvimento psicológico, narcisismo e defesas.
Eis tipos problemáticos de escolha (ou que influenciam a escolha) de companheiro(a) e o curso das relações amorosas:
- Por internalização das figuras e padrões relacionais patogénicos durante a infância (sobretudo), e respetivas angústias. Numa relação adulta, rapidamente ou ao longo do tempo, os dois vão entrando em encenações que de alguma forma lhes são "familiares"... Somos de novo pequeninos, a viver novamente os medos, dúvidas ou confusões de uma outra época de vida. Ou adotamos o outro lado, somos "crescidinhos", já não precisamos mais passar por certas situações, ainda que isso possa implicar fazer o nosso companheiro passar por elas.
- Por força da identificação (enquanto mecanismo e fenómeno psíquico não controlável e inerente ao desenvolvimento de todos nós) com os papéis e modelos de relação homem-mulher, internalizados na infância via da relação pai-mãe. Uma mulher cuja mãe relativizava e suportava penosamente as infidelidades do marido, pode por exemplo recear o compromisso, o tornar-se como a mãe (pois uma parte dela está naturalmente identificada com este papel submisso), e mesmo procurar ser "a outra", enquanto aquela que conquista e não se deixa subjugar...
- Por problemas do desenvolvimento da personalidade e do narcisismo. A procura do ideal e do semelhante, não necessariamente alguém idêntico, mas alguém idealizado, ou seja, que de alguma forma deve corresponder sistematicamente às nossas fantasias e expetativas idiossincráticas, praticamente num registo de confusão entre essas expetativas internas e a individualidade externa do outro. É um quadro clínico frequente e muito incapacitante do prazer e harmonia nas relações - pois impede perceber, aceitar, e sobretudo respeitar e admirar o outro por quem este é, sem nunca perder contacto com toda a complexidade do seu ser e todas as partes que o incorporam - que implica necessariamente um processo de retoma do desenvolvimento via da psicoterapia no sentido do amadurecimento psicológico com ganho de acesso à capacidade de diferenciação psicológica (do Eu/Outro, do Interno/Externo, da Fantasia/Realidade), não sendo habitualmente um processo rápido. Também se podem inserir nesta categoria o procurar um parceiro meramente enquanto "peça" para um cenário amoroso pré-idealizado; muitas vezes o próprio fenómeno do "amor à primeira vista" (exceto no caso de adolescentes); o apaixonamento não necessariamente pela outra pessoa mas pelo tamanho do amor que ela tem por nós; ou a tal procura do semelhante, enquanto reforço de identidade ou, algo mais grave, a procura de anulação das diferenças (o retorno ao estado primário de fusão mãe-bebé e expressão de um desenvolvimento psicológico incompleto à procura de ser retomado via desta experiência fusional- que a psicoterapia facilita, orienta e completa). As discussões nestas relações são muito marcadas pois o choque entre a procura de anulação de diferenças de um e a necessidade de proteção da individualidade e do espaço individual do outro será sempre presente. A exceção é quando um companheiro, de identidade ou capacidade de afirmação mais frágil, se dilui no mundo do outro. São relações que muitas vezes duram décadas, porém quando terminam, uma das partes perde tudo, incluindo a própria identidade, já que a mesma permaneceu (ainda que em parte) diluída na identidade e no mundo da outra pessoa. Para o outro parceiro a relação é vivida muitas vezes como uma plena "afinidade", já que a identidade do outro não existe, ou tem pouca força. Mas também com desinteresse crescente muitas vezes, pois na verdade é aquilo que é diferente - e que alberga o potencial de crescimento e realização - que nos atrai e excita.
Nas relações adultas é frequente percebermos os registos relacionais mais confusionais mediante por exemplo trocas ou "enganos" persistentes no nome do parceiro. São "lapsos" aparentemente inocentes mas frequentemente ilustrando o registo interno confusional. Outro cenário frequente são por exemplo pais e filhos com o mesmo nome próprio, o que para além dos aspetos psicológicos infiltrados nesta decisão de nomear em espelho, tal dificulta o desenvolvimento da criança pequena no sentido da diferenciação psicológica do "quem é quem" - nomeadamente quando ouve alguém a chamar por ela ou pelo cuidador com nome homólogo. A criança fica naturalmente confusa e tal pode mesmo reforçar a transmissão do problema de pais para filhos (ainda que esta não seja a derradeira origem do mesmo, mas sim dificuldade em lidar com as diferenças, autonomia e espontaneidade da criança).
- Por necessidades defensivas, frequentemente ligadas a problemas do desenvolvimento, narcisismo e integração de identidade. Certas angústias são de tal modo insuportáveis que muitas vezes um dos companheiros é "recrutado" enquanto recetáculo das partes profundamente repudiadas, aversivas ou "nojentas" da personalidade do outro membro do casal, o que resulta em depreciação contínua do companheiro que recebe estas projeções. Este é então vulgarmente alvo de controlo e esforços de modificação da personalidade pelo parceiro projetivo. Outra variante é a procura de um companheiro ideal e idealizado (e idealizável), isento das características "nojentas", de modo a que a associação com este companheiro gere a ilusão da união maravilhosa à prova de tudo o que é mais repudiado, mas que fundamentalmente vêm de dentro da pessoa ainda que seja percebido como vindo de fora, por efeito dos mecanismos projetivos. Porém a ilusão é isso mesmo, e não dura muito. Ou então é mantida a duras custas, muitas vezes pela anulação de parte da personalidade do parceiro. Esta categoria de escolha (ou uso) de companheiro, bem como a anterior, representam escolhas narcísicas de parceiro - a função derradeira da relação é sustentar o equilíbrio narcísico de um ou ambos os parceiros (por falha da capacidade interna de auto-regulação da autoestima e sobretudo da estabilidade da autoimagem de um ou ambos os parceiros, que de alguma forma dependerá então do parecer do outro ou da associação a este).
As escolhas de companheiro e curso de relação não tendem a ser assim tão lineares como para se enquadrarem totalmente numa das categorias mencionadas acima. Podemos por exemplo pensar em alguém com um historial de muitas relações falhadas- Na verdade a estabilidade e qualidade das nossas relações depende da nossa capacidade e maturidade relacional, e não tanto de encontrar a pessoa "certa" - nas quais predomina um padrão de instabilidade emocional, discussões e acusações. A partir de um olhar mais profundo encontramos muitas vezes nestas situações motivações (inconscientes ou dissociadas) ligadas a necessidades de vingança insatisfeitas (frequentemente confundidas com necessidade de justiça), como também, dentro da psicologia da própria pessoa, a presença interna de uma vítima e de um agressor, bem como raiva latente, "oculta" ou negada, por escoar... Dinâmicas relacionais patológicas internalizadas, identificações patológicas, dinâmicas sadomasoquistas e problemas do desenvolvimento e do narcisismo de uma forma ou de outra estão presentes.
Pegando no exemplo anterior, podemos pensar que ao longo do tempo da relação, de forma mais subtil ou abrupta, vão começar a surgir atitudes algo desconsiderativas, desrespeitadoras, acusatórias ou mesmo abusivas dirigidas ao parceiro, ainda que desvalorizadas muitas vezes pela própria pessoa, evitando assim a culpabilidade inerente. São atitudes que muitas vezes se alicerçam na convicção ou suspeita apreensiva de que o outro companheiro tem um lado "negro", ainda que não existam provas concretas. Há no entanto uma hipervigilância dos "sinais" no comportamento e atitude do parceiro - sinal de que se procura "algo" dentro do companheiro... O "mau" companheiro, o "falso" companheiro, o companheiro "abusivo" ou "agressor" latente. As atitudes mais "abusivas" de um companheiro projetivo (ou confuso), na verdade servem aqui uma função inconsciente de procurar ir induzindo os aspetos internos "maus" no outro parceiro. No momento em que este outro parceiro finalmente cede e protesta, confirmam-se então as suspeitas paranóides: Afinal o parceiro é verdadeiramente "mau", como se "intuía" ou receava. O protesto (saudável) de um dos companheiros torna-se então recetáculo ideal para a projeção das partes sentidas más, repudiadas e dissociadas da personalidade do outro companheiro, quer da raiva, do sadismo ou do agressor interno. Desta forma pode então ter início o escoamento de agressividade e raiva para com o companheiro protestante, de uma forma isenta de culpabilidade, sendo então satisfeitas quer as necessidades de vingança, quer o alivio do peso do agressor interno, que pode agora ser colocado e atacado no parceiro.
O sadismo e/ou a identificação com o agressor são bem marcados ao longo de todo o comportamento do parceiro que se sente, se vive e se coloca enquanto "vítima", vítima que se protege ou riposta "legitimamente" contra o seu agressor, Na verdade esta "vítima" ela própria demonstra o lado "agressor" desde o início, vitimizando na realidade o outro parceiro. O parceiro que protesta - no sentido de ser ouvido e entendido, e de que cessem as "provocações" ou "acusações", por exemplo - pode de facto ele mesmo tornar-se também agressor. Ou seja, um dos parceiros pode paulatinamente identificar-se com o papel de agressor nele induzido ao longo do tempo mediante as mais variadas provocações do outro parceiro, por exemplo caso os protestos sejam recebidos com mais crítica, acusação ou retaliação. Assim operam as dinâmicas sadomasoquistas nas relações adultas. Não é por acaso que se diz que todo o agressor alberga uma vítima dentro dele ou dela. Frequentemente aquele ou aquela que se percebe enquanto "vítima" em alguns momentos (por exemplo em reação aos protestos de falsas acusações pelo outro parceiro) revela ou encena simultâneamente, de forma mais gradual ou abrupta, um "agressor" interno. A emergência deste lado "mau" ou "agressivo" faz-se acompanhar de uma dissociação da consciência sobre este lado "mau" da personalidade, sendo o mesmo percebido e induzido na outra pessoa. Esta por sua vez sente-se injustiçada, acusada, oprimida, atacada, e eventual e naturalmente perde a paciência e a calma. Cumpre-se então a função "recetáculo", o companheiro que finalmente "demonstra" o lado agressor, manipulador, "mau", etc. - aspeto que na realidade não pertence à sua personalidade.
Pode dizer-se que quando estes problemas e dinâmicas relacionais são particularmente destrutivos e frequentes muitas vezes um dos problemas de fundo prende-se com estruturas de personalidade frágeis, de um narcisismo frágil ao ponto da pessoa não aguentar colocar-se em causa. Desta forma não há responsabilidade ou sentimento de culpabilidade pelos próprios atos, pois tal capacidade não é psicológica ou estruturalmente tolerada. Não existe também estrutura psíquica para o reconhecimento (o confronto) com as partes repudiadas da própria personalidade. Qualquer tentativa de responsabilização resulta somente numa deflexão de uma culpa insuportável de volta à fonte, da mesma forma que todas as partes repudiadas da personalidade são imediata e continuamente expulsas (projetadas) para fora, para os demais. Em casos graves tal funcionamento resulta ao longo do tempo no esvaziamento progressivo do "Eu", gerando um vazio enorme e doloroso. Paralelamente a realidade exterior surge "monstrificada", por efeitos das projeções massiças. Consequentemente instala-se a fuga e/ou ataque do e contra o mundo e contra as pessoas, agora imbuidas de toda "toxicidade" interior.
Muitas vezes este tipo de problemas e motivações psicológicas implica que a própria pessoa procure inconscientemente engendrar e alimentar-se de verdadeiras agressões e injúrias, que quanto mais reais e intensas, melhor. Isto pois conseguem garantir a legitimidade do papel e sentimento de vítima, bem como o reforço da dissociação interna da parte agressora ou sádica da personalidade, atribuída então ao parceiro, o qual é agora atacado num movimento livre de culpabilidade e de evacuação da mesma. O aspeto mais importante e que de facto realça o problema psicológico é precisamente a repetição recorrente do mesmo tipo de padrão sadomasoquista destrutivo ao longo da vida no contexto das relações íntimas, ou de forma persistente e recorrente ao longo dos anos numa mesma relação.
É uma questão sensível, porém podemos muitas por vezes encontrar pessoas em que estas dinâmicas psicológicas internas reforçam ou determinam afinidades para áreas sociais ligadas a temas, contextos e problemáticas na ordem da fragilidade pessoal, desempoderamento, desrespeito, abuso, agressão e crime, nomeadamente em contexto de defesa e/ou punição, como por exemplo a associação a movimentos e instituições de defesa dos direitos das vitimas de violência, como a APAV, protestos públicos ou o meio jurídico.
Enquanto seres humanos tendemos a escolher para nós não as pessoas certas mas aquelas que quânticamente ressoam connosco, ou com algo dentro de nós, algo primitivo por vezes não nomeável, não pensável ou inconsciente. Não é invulgar que o seio dos problemas e angústias numa relação adulta advenham da relação mãe-bebé dos primeiros meses de vida... Não temos memórias desse período de vida pois não temos capacidade de as formar nessa altura, pelo menos da forma como concebemos vulgarmente o termo "memória". Porém um psicoterapeuta na área da psicanálise pode muito bem perceber origem e desenvolvimento destes e de outros problemas de forma relativamente fácil. Para isso serve toda a formação e treino clínico e profissional.
A integração de identidade, marcadamente potenciada por uma psicanálise pessoal, é diretamente responsável pela maior capacidade de estabilidade e harmonia nas relações íntimas e interpessoais de uma forma geral. Trata-se da capacidade de nos representarmos a nós mesmos e aos outros de formas precisas, estáveis e complexas - em oposição a percepções clivadas, ou seja, que nos consideremos pessoas "muito bem resolvidas", sem problemas, sem limitações ou dificuldades pessoais ou emocionais, o que de um ponto de vista da complexidade da condição humana é algo ideal e idealizado, clivado ou distorcidado da representação de nós mesmos. Outras vezes as características menos boas dos demais parecem eclipsar completamente todo e qualquer aspeto bom das respetivas personalidades, num registo de não mais se perceber qualquer benevolência ou qualidade em dada pessoa. Ou então quando se parecem mais com figuras endeusadas que com seres humanos. Somos sermos seres inerentemente complexos e contraditórios, em que dicotomias simplistas como "triste ou feliz", "bom ou tóxico" remetem para alguma imaturidade ao nível da apreensão profunda das subtilezas, complexidade e contradição da experiência emocional humana. A integração de identidade permite também o acesso à empatia, sendo o seu reverso, a dissociação, a clivagem e a projeção e distorção da imagem de nós mesmos, dos outros e do mundo,
Por vezes as pessoas certas são pessoas cuja relação com elas pode mesmo a princípio parecer até um pouco estranha e diferente, mas são relações fundamentalmente calmas, harmoniosas e prazerosas.
Saber mais sobre a influência do desenvolvimento da personalidade sobre as escolhas de companheiro(a) e curso das relações amorosas