Há quem diga que no momento em que escolhemos o nosso companheiro ou a nossa companheira, já sabemos, ainda que inconscientemente, como irá ser ou como irá terminar essa relação.
De facto, a psicanálise e a experiência clínica mostram-nos como isto é particularmente verdadeiro, sobretudo quando existe psicopatologia das relações de objeto internalizadas. Isto é, a interiorização profunda (e não voluntária, consciente ou controlável) de relações e padrões relacionais disfuncionais ou desadaptativos com as figuras principais de vinculação, durante os primeiros anos de vida. Falamos aqui da forma como sentimos outrora que fomos cuidados por aqueles que estavam a cargo de nós enquanto bebés e crianças e das identificações que fizemos com esses cuidadores, bem como com todo o ambiente envolvente. Falamos sobretudo de um período de vida no qual a formação de memórias ainda não era possível, mas também em períodos posteriores da infância e adolescência. Quando a origem dos problemas na forma com que nos relacionarmos com os demais, da forma com que nos posicionamos nas relações e da forma como sentimos os outros têm a sua origem num período muito precoce, onde a capacidade de formar memórias ainda não existe ou é muito imatura, então acaba por não existir amiúde uma qualquer consciência ou registo mnésico sobre a origem dessas disfunções relacionais das vivências mais recentes. O que há é sim uma memória emocional e o reviver contínuo dessa reminiscência emocional (ou ambiente emocional) nas relações do presente. Ou seja, poderemos ser deveras vítimas de perceções, sensações, sentimentos e atitudes em “loop” e de forma transversal às nossas várias relações, ainda que os contextos possam ser diferentes.
Em psicoterapia surgem muitas vezes descrições de padrões relacionais de infância, que ainda assim já se enquadram num período onde a memória já era uma capacidade estabelecida. Ainda que amiúde estas dinâmicas relacionais relembradas não sejam a origem per se das disfunções, essas memórias já trazem em si os temas nucleares, como se elas mesmas fossem formas ou “mutações” posteriores dos problemas, faltas ou desencontros (entre a mãe e o bebé) originais. Os sonhos tendem também a ilustrar muito bem o mundo interno de cada pessoa, com ênfase na imagética (condensações de várias imagens numa só) e respetivas dramatizações oníricas do mundo interno de cada pessoa, as quais têm como fio condutor estados emocionais e mentais bem definidos e reveladores.
A vivência relacional precoce e os respetivos papéis e padrões relacionais interiorizados durante a infância exercem tanto mais força na escolha dos companheiros na adultícia e no curso das nossas relações quanto menos conscientes e elaboradas todas essas representações internas (e respetivos sentimentos nelas fundidos) se encontrarem dentro de nós. Nestes casos, quando há patologia das relações de objeto (objeto de relação, de investimento e amor), o parceiro é frequentemente escolhido de forma inconsciente, apresentando características (atitudes, comportamentos) semelhantes a uma qualquer personagem do nosso passado que nos marcou significativamente, ou então por ressonância a uma história de problemas relacionais semelhantes com os nossos ou muito próximos dos nossos - existe uma identificação com o outro, na medida em que nele nos vemos (nos sentimos) a nós próprios.
Outras vezes a escolha de companheiros pode não ser tão óbvia ao ponto de se perceberem traços de personalidade de semelhança clara com as figuras do passado (do mundo interno atual, sobretudo). Como essas figuras (do passado) tomam como que existência própria e autónoma dentro de nós, tal origina frequentemente receios e perceções e eventuais procuras de confirmação de que o companheiro é de alguma forma ruim ou tem algo de ruim nele. Quando uma das partes insiste em acusar ou reagir face à outra como se esta realmente tivesse determinadas intenções ou atitudes que na verdade não têm, então estamos perante um quadro psicopatológico mais grave, precisamente devido às falhas de perceção da realidade. Por vezes são episódios que acontecem num casal, todavia a frequência dos mesmos sinaliza a necessidade de ajuda profissional – o casal não está a ser capaz de superar um determinado problema ou modalidade de interação que acabará por ser destrutiva para a relação e desgastante para ambos.
Em algumas situações mais graves surge a insistência contínua em que os companheiros se comportem, sejam ou ajam de determinadas formas (que tendencialmente beneficiam o “queixoso”), são muitas vezes transferências para o presente de figuras e padrões relacionais do passado. Esta dinâmica e as verdadeiras origens das queixas e “perpetradores” originais são tanto mais inconscientes quanto as insistências e queixas sobre as figuras da vida presente. Nestes casos as relações são muitas vezes palco para atualização/resolução (falhada) dos “dramas relacionais” internos. O resultado tende a ser a repetição do drama e não a resolução. Quando uma resolução relativamente satisfatória (de um ponto de vista razoável) se atinge, é muitas vezes sentida como insatisfatória. Se a relação se altera de todo, pode perder o interesse para a pessoa, pois poderá não dar mais expressão à trama ou ao fantasma internos.
O drama interno não é possível ser resolvido pela reencenação nas relações amorosas pois a derradeira origem dos mesmos não está no presente, mas sim ligada a outras figuras e intervenientes, que ficaram cristalizadas no interior da pessoa, bem como as respetivas vivências negativas intensas e muitas vezes traumáticas. É a chamada “compulsão à repetição” de que Freud já falava em 1914.
O nosso mundo interno pode ser facilmente desvelado quando se procuramos perceber as nossas fantasias pessoais sobre o companheiro ideal e o que se desejaria neste. Muitas vezes surgem em destaque (ainda que mascarados) os medos associados às relações amorosas com outras pessoas e as expetativas sobre as mesmas.
Por exemplo, uma mulher que se queixa insistentemente que os seus companheiros tendem a “transforma-la” numa mãe, apercebe-se gradualmente e durante a sua psicoterapia da sua dificuldade em entrar em contacto com as suas próprias partes carentes, feridas e vulneráveis; da sua tendência na preferência por companheiros com histórias de problemas relacionais e feridas emocionais, e da forma como tal se prende com uma tentativa de ela se ligar a si mesma através do outro, a uma “distância segura”, ou seja, projetivamente, através da vivência dessas emoções no outro, alguém sempre e necessariamente com as mesmas carências e feridas. Apercebe-se de uma necessidade de compensação narcísica através da (tentativa de) reparação dos demais – assumindo ela o papel da mãe que faltou e de que no fundo ainda precisa. Emerge a criança interna, escondida e magoada, disfarçada por um “falso self cuidador”, e fica exposta a enorme dificuldade na entrega aos cuidados de seja quem for.
Os papéis e padrões relacionais desadaptativos internalizados são automaticamente ativados nas relações com os nossos companheiros. Isto acontece porque os nossos vínculos íntimos têm origem nas primeiras e mais íntimas relações das nossas vidas – com os nossos cuidadores. Por definição, quando nos vinculamos em maior profundidade, também os temas e vivências emocionais associados a esses vínculos vêm ao de cima (e ás vezes as angústias são de tal ordem intensa que não há capacidade de vinculação ou o vínculo é atacado, desvalorizado ou negado). Nas relações amorosas isto acontece muitas vezes de parte a parte, seguindo-se a indução mútua de papéis complementares e de vestes que pertencem a figuras e teatros do passado (mas bem presentes no mais íntimo de nós). Ficam reunidas todas as condições para a emergência de uma conspiração inconsciente que interprende o casal, configurando uma espécie de “união na loucura” que surge tanto mais poderosa e inescapável quanto a perturbação do casal.
Outra situação patológica frequente pode ser descrita quando por exemplo um dos parceiros sente o outro enquanto um perseguidor implacável, uma autoridade moral que procura justificações, como alguém que procura “apanhar em falta”, podendo até parecer sentir prazer cruel em induzir culpa; Por sua vez este parceiro culpígeno poderá sentir o primeiro como pouco confiável, enganador, irresponsável e traidor, tentando “safar-se com a dele”, o que torna justificável a atitude opressiva de “policiamento”. Estes papéis podem ser permutáveis nas relações.
Duas pessoas numa relação íntima podem ser altamente eficazes em reforçar ou mesmo induzir no outro aquelas mesmas características que mais temem, o que pode mesmo configurar relações sadomasoquistas persistentes. As encenações podem tornar-se altamente destrutivas, porque por vezes elas despoletam reações circulares que engolfam a vida amorosa do casal para além das intenções de estabilidade do casal e da sua capacidade de conter os conflitos emergentes e persistentes.
Transformação e libertação do padrão de escolha inconsciente
No polo da saúde mental prevalece a interdependência livre e flexível, própria de pessoas que experienciam o outro e são experienciadas por esse outro enquanto “pessoas separadas”. Ou seja, predomina uma capacidade psicológica fundamental de reconhecimento da autonomia e do desejo autónomo do outro, ao mesmo tempo que as pessoas do presente não são confundidas ou experienciadas enquanto figuras e vivências relacionais internalizadas patológicas de um passado longínquo.
A exploração, compreensão e dissolução gradual de identificações problemáticas com figuras do passado e de padrões relacionais desadaptativos internalizados no passado é uma das características exclusivas da psicanálise e da psicoterapia psicanalítica. A relação com o terapeuta permite e estimula a reativação de toda a problemática internalizada, muitas vezes reativada e até reencenada pelo paciente na relação com o psicoterapeuta. Este, por sua vez, deverá manter a sua atitude empática, serena e compreensiva, ajudando a pessoa a ir tomando consciência do que está a acontecer naquele momento na relação entre os dois, e eventuais ligações que isso possa ter com figuras e padrões relacionais do passado. A identificação das vivências internas, lado a lado com a atitude recetiva, empática e compreensiva do psicoterapeuta, conduz à internalização gradual de uma nova experiência relacional e simultaneamente à dissolução gradual das experiências relacionais patológicas.
A transferência contínua para as relações do presente de papéis e padrões relacionais patológicos internalizados do passado interfere seriamente com os objetivos de uma vida amorosa e conjugal satisfatória. O desejo inconsciente de reparar as relações patogénicas dominantes do passado e a tentação inconsciente de as repetir nos termos de necessidades não gratificadas do passado e também de necessidades agressivas e vingativas não gratificadas, pode facilmente resultar em reencenações patológicas e destrutivas contínuas com o parceiro amado.
Ficam três sinais de que pode existir um passado inconsciente a determinar o curso das suas relações mais íntimas:
Perceção de que os homens ou as mulheres são todos ou todas iguais.
Sente que está condenada(o) a um certo “karma” ou resultado no que respeita às suas relações amorosas.
Determinadas situações parecem repetir-se, percebendo você comportamentos ou atitudes familiares nos diferentes companheiros.
De facto, a psicanálise e a experiência clínica mostram-nos como isto é particularmente verdadeiro, sobretudo quando existe psicopatologia das relações de objeto internalizadas. Isto é, a interiorização profunda (e não voluntária, consciente ou controlável) de relações e padrões relacionais disfuncionais ou desadaptativos com as figuras principais de vinculação, durante os primeiros anos de vida. Falamos aqui da forma como sentimos outrora que fomos cuidados por aqueles que estavam a cargo de nós enquanto bebés e crianças e das identificações que fizemos com esses cuidadores, bem como com todo o ambiente envolvente. Falamos sobretudo de um período de vida no qual a formação de memórias ainda não era possível, mas também em períodos posteriores da infância e adolescência. Quando a origem dos problemas na forma com que nos relacionarmos com os demais, da forma com que nos posicionamos nas relações e da forma como sentimos os outros têm a sua origem num período muito precoce, onde a capacidade de formar memórias ainda não existe ou é muito imatura, então acaba por não existir amiúde uma qualquer consciência ou registo mnésico sobre a origem dessas disfunções relacionais das vivências mais recentes. O que há é sim uma memória emocional e o reviver contínuo dessa reminiscência emocional (ou ambiente emocional) nas relações do presente. Ou seja, poderemos ser deveras vítimas de perceções, sensações, sentimentos e atitudes em “loop” e de forma transversal às nossas várias relações, ainda que os contextos possam ser diferentes.
Em psicoterapia surgem muitas vezes descrições de padrões relacionais de infância, que ainda assim já se enquadram num período onde a memória já era uma capacidade estabelecida. Ainda que amiúde estas dinâmicas relacionais relembradas não sejam a origem per se das disfunções, essas memórias já trazem em si os temas nucleares, como se elas mesmas fossem formas ou “mutações” posteriores dos problemas, faltas ou desencontros (entre a mãe e o bebé) originais. Os sonhos tendem também a ilustrar muito bem o mundo interno de cada pessoa, com ênfase na imagética (condensações de várias imagens numa só) e respetivas dramatizações oníricas do mundo interno de cada pessoa, as quais têm como fio condutor estados emocionais e mentais bem definidos e reveladores.
A vivência relacional precoce e os respetivos papéis e padrões relacionais interiorizados durante a infância exercem tanto mais força na escolha dos companheiros na adultícia e no curso das nossas relações quanto menos conscientes e elaboradas todas essas representações internas (e respetivos sentimentos nelas fundidos) se encontrarem dentro de nós. Nestes casos, quando há patologia das relações de objeto (objeto de relação, de investimento e amor), o parceiro é frequentemente escolhido de forma inconsciente, apresentando características (atitudes, comportamentos) semelhantes a uma qualquer personagem do nosso passado que nos marcou significativamente, ou então por ressonância a uma história de problemas relacionais semelhantes com os nossos ou muito próximos dos nossos - existe uma identificação com o outro, na medida em que nele nos vemos (nos sentimos) a nós próprios.
Outras vezes a escolha de companheiros pode não ser tão óbvia ao ponto de se perceberem traços de personalidade de semelhança clara com as figuras do passado (do mundo interno atual, sobretudo). Como essas figuras (do passado) tomam como que existência própria e autónoma dentro de nós, tal origina frequentemente receios e perceções e eventuais procuras de confirmação de que o companheiro é de alguma forma ruim ou tem algo de ruim nele. Quando uma das partes insiste em acusar ou reagir face à outra como se esta realmente tivesse determinadas intenções ou atitudes que na verdade não têm, então estamos perante um quadro psicopatológico mais grave, precisamente devido às falhas de perceção da realidade. Por vezes são episódios que acontecem num casal, todavia a frequência dos mesmos sinaliza a necessidade de ajuda profissional – o casal não está a ser capaz de superar um determinado problema ou modalidade de interação que acabará por ser destrutiva para a relação e desgastante para ambos.
Em algumas situações mais graves surge a insistência contínua em que os companheiros se comportem, sejam ou ajam de determinadas formas (que tendencialmente beneficiam o “queixoso”), são muitas vezes transferências para o presente de figuras e padrões relacionais do passado. Esta dinâmica e as verdadeiras origens das queixas e “perpetradores” originais são tanto mais inconscientes quanto as insistências e queixas sobre as figuras da vida presente. Nestes casos as relações são muitas vezes palco para atualização/resolução (falhada) dos “dramas relacionais” internos. O resultado tende a ser a repetição do drama e não a resolução. Quando uma resolução relativamente satisfatória (de um ponto de vista razoável) se atinge, é muitas vezes sentida como insatisfatória. Se a relação se altera de todo, pode perder o interesse para a pessoa, pois poderá não dar mais expressão à trama ou ao fantasma internos.
O drama interno não é possível ser resolvido pela reencenação nas relações amorosas pois a derradeira origem dos mesmos não está no presente, mas sim ligada a outras figuras e intervenientes, que ficaram cristalizadas no interior da pessoa, bem como as respetivas vivências negativas intensas e muitas vezes traumáticas. É a chamada “compulsão à repetição” de que Freud já falava em 1914.
O nosso mundo interno pode ser facilmente desvelado quando se procuramos perceber as nossas fantasias pessoais sobre o companheiro ideal e o que se desejaria neste. Muitas vezes surgem em destaque (ainda que mascarados) os medos associados às relações amorosas com outras pessoas e as expetativas sobre as mesmas.
Por exemplo, uma mulher que se queixa insistentemente que os seus companheiros tendem a “transforma-la” numa mãe, apercebe-se gradualmente e durante a sua psicoterapia da sua dificuldade em entrar em contacto com as suas próprias partes carentes, feridas e vulneráveis; da sua tendência na preferência por companheiros com histórias de problemas relacionais e feridas emocionais, e da forma como tal se prende com uma tentativa de ela se ligar a si mesma através do outro, a uma “distância segura”, ou seja, projetivamente, através da vivência dessas emoções no outro, alguém sempre e necessariamente com as mesmas carências e feridas. Apercebe-se de uma necessidade de compensação narcísica através da (tentativa de) reparação dos demais – assumindo ela o papel da mãe que faltou e de que no fundo ainda precisa. Emerge a criança interna, escondida e magoada, disfarçada por um “falso self cuidador”, e fica exposta a enorme dificuldade na entrega aos cuidados de seja quem for.
Os papéis e padrões relacionais desadaptativos internalizados são automaticamente ativados nas relações com os nossos companheiros. Isto acontece porque os nossos vínculos íntimos têm origem nas primeiras e mais íntimas relações das nossas vidas – com os nossos cuidadores. Por definição, quando nos vinculamos em maior profundidade, também os temas e vivências emocionais associados a esses vínculos vêm ao de cima (e ás vezes as angústias são de tal ordem intensa que não há capacidade de vinculação ou o vínculo é atacado, desvalorizado ou negado). Nas relações amorosas isto acontece muitas vezes de parte a parte, seguindo-se a indução mútua de papéis complementares e de vestes que pertencem a figuras e teatros do passado (mas bem presentes no mais íntimo de nós). Ficam reunidas todas as condições para a emergência de uma conspiração inconsciente que interprende o casal, configurando uma espécie de “união na loucura” que surge tanto mais poderosa e inescapável quanto a perturbação do casal.
Outra situação patológica frequente pode ser descrita quando por exemplo um dos parceiros sente o outro enquanto um perseguidor implacável, uma autoridade moral que procura justificações, como alguém que procura “apanhar em falta”, podendo até parecer sentir prazer cruel em induzir culpa; Por sua vez este parceiro culpígeno poderá sentir o primeiro como pouco confiável, enganador, irresponsável e traidor, tentando “safar-se com a dele”, o que torna justificável a atitude opressiva de “policiamento”. Estes papéis podem ser permutáveis nas relações.
Duas pessoas numa relação íntima podem ser altamente eficazes em reforçar ou mesmo induzir no outro aquelas mesmas características que mais temem, o que pode mesmo configurar relações sadomasoquistas persistentes. As encenações podem tornar-se altamente destrutivas, porque por vezes elas despoletam reações circulares que engolfam a vida amorosa do casal para além das intenções de estabilidade do casal e da sua capacidade de conter os conflitos emergentes e persistentes.
Transformação e libertação do padrão de escolha inconsciente
No polo da saúde mental prevalece a interdependência livre e flexível, própria de pessoas que experienciam o outro e são experienciadas por esse outro enquanto “pessoas separadas”. Ou seja, predomina uma capacidade psicológica fundamental de reconhecimento da autonomia e do desejo autónomo do outro, ao mesmo tempo que as pessoas do presente não são confundidas ou experienciadas enquanto figuras e vivências relacionais internalizadas patológicas de um passado longínquo.
A exploração, compreensão e dissolução gradual de identificações problemáticas com figuras do passado e de padrões relacionais desadaptativos internalizados no passado é uma das características exclusivas da psicanálise e da psicoterapia psicanalítica. A relação com o terapeuta permite e estimula a reativação de toda a problemática internalizada, muitas vezes reativada e até reencenada pelo paciente na relação com o psicoterapeuta. Este, por sua vez, deverá manter a sua atitude empática, serena e compreensiva, ajudando a pessoa a ir tomando consciência do que está a acontecer naquele momento na relação entre os dois, e eventuais ligações que isso possa ter com figuras e padrões relacionais do passado. A identificação das vivências internas, lado a lado com a atitude recetiva, empática e compreensiva do psicoterapeuta, conduz à internalização gradual de uma nova experiência relacional e simultaneamente à dissolução gradual das experiências relacionais patológicas.
A transferência contínua para as relações do presente de papéis e padrões relacionais patológicos internalizados do passado interfere seriamente com os objetivos de uma vida amorosa e conjugal satisfatória. O desejo inconsciente de reparar as relações patogénicas dominantes do passado e a tentação inconsciente de as repetir nos termos de necessidades não gratificadas do passado e também de necessidades agressivas e vingativas não gratificadas, pode facilmente resultar em reencenações patológicas e destrutivas contínuas com o parceiro amado.
Ficam três sinais de que pode existir um passado inconsciente a determinar o curso das suas relações mais íntimas:
Perceção de que os homens ou as mulheres são todos ou todas iguais.
Sente que está condenada(o) a um certo “karma” ou resultado no que respeita às suas relações amorosas.
Determinadas situações parecem repetir-se, percebendo você comportamentos ou atitudes familiares nos diferentes companheiros.