Existem várias tipologias de depressão: Depressão reativa, depressividade ou estrutura depressiva de personalidade, depressão minor, depressão major, depressão de abandono, depressão narcísica, depressão psicótica e depressão branca. A diferença entre estas formas de depressão está na natureza do problema de base e também na forma como este se expressa na organização e estrutura de personalidade específicas de uma dada pessoa.
Falamos aqui sobre a depressão que se caracteriza sobretudo pela culpa e sentimentos de inferioridade - a depressividade ou estrutura depressiva de personalidade - e que configura a própria vulnerabilidade à depressão ou a tendência a episódios de depressão ao longo da vida.
De um ponto de vista psicodinâmico e proeminente*, a verdadeira depressão tem origem na infância e resulta da perda ou retirada dos afetos à criança, por parte das pessoas que lhe são mais significativas. Dito por outras palavras, a criança sente perder, que lhe é retirado (ou vive insuficientemente) o amor das principais figuras de vinculação - o desejo de estar e conviver com a criança.
A perda do amor das pessoas significantes na vida da criança é diferente da perda da função destas figuras – os cuidados e a proteção. A perda da função configura uma depressão diferente e mais grave, a depressão de abandono, relacionada com o luto e não com a perda do amor.
Nunca é demais enfatizar que ao falarmos de infância não falamos necessariamente (ou apenas) do que aconteceu concreta e factualmente nesse período, do que é relembrado/reconstruído pela mente consciente da pessoa adulta ou através de relatos conseguidos através de pais, irmãos ou avós, fotos ou vídeos, por exemplo. Mais importante que isso é a forma como determinada criança viveu dentro de si aquele primeiro período da sua vida, a partir de um aparelho psíquico infantil e em desenvolvimento, ou seja, imaturo, limitado, vulnerável e com forte ênfase na fantasia. Todos conhecemos as tendências das crianças a sentirem que são de alguma forma responsáveis por situações muito difíceis que enfrentam logo muito cedo na vida, como por exemplo o divórcio dos pais. As crianças procuram trazer para dentro de si a responsabilidade por essas situações difíceis pois dessa forma sentem que têm controlo por algo que na verdade é demasiado doloroso e está fora do controlo delas. As formas a que as crianças recorrem internamente (e externamente) para lidar com a angústia na infância são inúmeras e complexas, mas todas têm e mesmo fim, o de proteger a fantasia de uma infância feliz, sobretudo quando a realidade rompe com esta fantasia. Mais tarde na vida adulta estas dinâmicas de angústia e defesa podem persistir e gerar um sentimento forte de desconhecimento sobre a raiz do sofrimento.
Por todos estes motivos é importante a qualidade dos cuidados parentais, a sintonia e entendimento claros das necessidades da criança pequena, e a saúde emocional e robustez psicológica por parte dos pais (em particular da mãe). Ajudar a criança a lidar com a angústia e com as suas emoções mais difíceis é sempre fundamental, a partir de uma preocupação genuína com o seu mundo interior. Porque há muitas situações que de um ponto de vista lógico podem parecer inofensivas, mas que do ponto de vista da vida psicológica e emocional da criança podem acabar por ter impactos verdadeiramente nefastos e para toda a vida.
No que respeita à depressão (aquela específica que pretendemos abordar neste curto artigo), esta tende a estruturar-se a partir de dinâmicas relacionais que seguem uma “economia depressígena”, pois tratam de uma relação com uma figura depressígena, indutora de culpa e inferioridade.
A culpa resulta da tendência em idealizar o outro (os outros significativos), e na tendência do outro em culpabilizar (a criança). Trata-se de um outro que induz culpa, se idealiza a si mesmo e se faz idealizar. Alguém que não desculpa mas apenas culpa, que não ama mas capta o amor do outro (da criança). A criança é despojada da sua bondade pela projeção da mesma sobre o outro, ao passo que este outro projeta na criança a sua maldade e absorve a bondade da criança. O resultado é um erro cognitivo de perceção da (falsa) bondade dos outros e da (falsa) maldade do próprio. É uma culpa patológica e ilógica que se instala e provoca alterações patológicas nas estruturas de personalidade.
Por sua vez este outro culpabilizante e esta relação tornam-se angústias e instâncias internas (na criança e no adulto em que ela se transformará) e expressam-se ao longo da vida pela tendência à repetição deste padrão e tipologia de relação em outras relações.
A inferioridade ou baixa autoestima surge por meios análogos, via figuras inferiorizantes, narcísicas e projetivas, que não toleram e repudiam partes internas de si, necessitando evacua-las para os demais (para a criança) através da crítica, por exemplo. Protegem assim a idealização de si mesmos, a sua falsa grandiosidade, à custa da destruição da autoestima alheia (da criança e futuro adulto), da crítica sistemática. O extremo da crítica é a humilhação. A instalação interna desta relação dentro de alguém conduz ao esvaziamento contínuo da autoestima, por mais tentativas de a repor que sejam engendradas. É a voz interior que diz “Não sabes fazer nada!”; “Só fazes porcaria!”, “Burro(a)!”, “Estúpido(a)!”, “Incompetente!”, “Inútil!”. O resultado é o encaminhamento progressivo e a queda na depressão.
A perda do amor das principais figuras de vinculação na infância (e depois na depressão) é também e por si só um fator desnarcisante, contribuindo para o abaixamento da autoestima.
*Referência: A Depressão, de António Coimbra de Matos
Falamos aqui sobre a depressão que se caracteriza sobretudo pela culpa e sentimentos de inferioridade - a depressividade ou estrutura depressiva de personalidade - e que configura a própria vulnerabilidade à depressão ou a tendência a episódios de depressão ao longo da vida.
De um ponto de vista psicodinâmico e proeminente*, a verdadeira depressão tem origem na infância e resulta da perda ou retirada dos afetos à criança, por parte das pessoas que lhe são mais significativas. Dito por outras palavras, a criança sente perder, que lhe é retirado (ou vive insuficientemente) o amor das principais figuras de vinculação - o desejo de estar e conviver com a criança.
A perda do amor das pessoas significantes na vida da criança é diferente da perda da função destas figuras – os cuidados e a proteção. A perda da função configura uma depressão diferente e mais grave, a depressão de abandono, relacionada com o luto e não com a perda do amor.
Nunca é demais enfatizar que ao falarmos de infância não falamos necessariamente (ou apenas) do que aconteceu concreta e factualmente nesse período, do que é relembrado/reconstruído pela mente consciente da pessoa adulta ou através de relatos conseguidos através de pais, irmãos ou avós, fotos ou vídeos, por exemplo. Mais importante que isso é a forma como determinada criança viveu dentro de si aquele primeiro período da sua vida, a partir de um aparelho psíquico infantil e em desenvolvimento, ou seja, imaturo, limitado, vulnerável e com forte ênfase na fantasia. Todos conhecemos as tendências das crianças a sentirem que são de alguma forma responsáveis por situações muito difíceis que enfrentam logo muito cedo na vida, como por exemplo o divórcio dos pais. As crianças procuram trazer para dentro de si a responsabilidade por essas situações difíceis pois dessa forma sentem que têm controlo por algo que na verdade é demasiado doloroso e está fora do controlo delas. As formas a que as crianças recorrem internamente (e externamente) para lidar com a angústia na infância são inúmeras e complexas, mas todas têm e mesmo fim, o de proteger a fantasia de uma infância feliz, sobretudo quando a realidade rompe com esta fantasia. Mais tarde na vida adulta estas dinâmicas de angústia e defesa podem persistir e gerar um sentimento forte de desconhecimento sobre a raiz do sofrimento.
Por todos estes motivos é importante a qualidade dos cuidados parentais, a sintonia e entendimento claros das necessidades da criança pequena, e a saúde emocional e robustez psicológica por parte dos pais (em particular da mãe). Ajudar a criança a lidar com a angústia e com as suas emoções mais difíceis é sempre fundamental, a partir de uma preocupação genuína com o seu mundo interior. Porque há muitas situações que de um ponto de vista lógico podem parecer inofensivas, mas que do ponto de vista da vida psicológica e emocional da criança podem acabar por ter impactos verdadeiramente nefastos e para toda a vida.
No que respeita à depressão (aquela específica que pretendemos abordar neste curto artigo), esta tende a estruturar-se a partir de dinâmicas relacionais que seguem uma “economia depressígena”, pois tratam de uma relação com uma figura depressígena, indutora de culpa e inferioridade.
A culpa resulta da tendência em idealizar o outro (os outros significativos), e na tendência do outro em culpabilizar (a criança). Trata-se de um outro que induz culpa, se idealiza a si mesmo e se faz idealizar. Alguém que não desculpa mas apenas culpa, que não ama mas capta o amor do outro (da criança). A criança é despojada da sua bondade pela projeção da mesma sobre o outro, ao passo que este outro projeta na criança a sua maldade e absorve a bondade da criança. O resultado é um erro cognitivo de perceção da (falsa) bondade dos outros e da (falsa) maldade do próprio. É uma culpa patológica e ilógica que se instala e provoca alterações patológicas nas estruturas de personalidade.
Por sua vez este outro culpabilizante e esta relação tornam-se angústias e instâncias internas (na criança e no adulto em que ela se transformará) e expressam-se ao longo da vida pela tendência à repetição deste padrão e tipologia de relação em outras relações.
A inferioridade ou baixa autoestima surge por meios análogos, via figuras inferiorizantes, narcísicas e projetivas, que não toleram e repudiam partes internas de si, necessitando evacua-las para os demais (para a criança) através da crítica, por exemplo. Protegem assim a idealização de si mesmos, a sua falsa grandiosidade, à custa da destruição da autoestima alheia (da criança e futuro adulto), da crítica sistemática. O extremo da crítica é a humilhação. A instalação interna desta relação dentro de alguém conduz ao esvaziamento contínuo da autoestima, por mais tentativas de a repor que sejam engendradas. É a voz interior que diz “Não sabes fazer nada!”; “Só fazes porcaria!”, “Burro(a)!”, “Estúpido(a)!”, “Incompetente!”, “Inútil!”. O resultado é o encaminhamento progressivo e a queda na depressão.
A perda do amor das principais figuras de vinculação na infância (e depois na depressão) é também e por si só um fator desnarcisante, contribuindo para o abaixamento da autoestima.
*Referência: A Depressão, de António Coimbra de Matos
Dinâmicas Internas e Relacionais
Alguns sentimentos e perceções que por vezes acompanham a depressividade:
“Quando os outros me conhecerem verdadeiramente não vão gostar de mim/vão achar que sou desinteressante.”
É uma noção e dinâmica relacional interiorizada na relação com outros significativos, gravada na memória afetiva que subsiste, e pode denúnciar como outrora, nas relações que eram mais próximas e íntimas, o desejo de estar e conviver, o interesse e o envolvimento das figuras próximas, não estava lá. Ou estava, mas perdeu-se precocemente, não foi suficientemente vivido. Também o ciúme intenso pode derivar de tal, uma vez que a própria pessoa não se sente a prioridade do interesse do companheiro ou companheira, sentindo-se em risco constante de ser facilmente substituída. São memórias afetivas (ligadas à baixa autoestima) de vivência e padrões relacionais passados, onde muitas vezes não se conseguiu viver suficientemente o sentimento de se ser o centro das atenções daqueles de quem se precisava e se dependia. Não se viveu suficientemente o sentimento de se ter sido a prioridade do interesse e do desejo dessas figuras cuidadoras.
“Pois… é isto que ganho por ser boazinha, nunca aprendo!” / "Quem me manda ser estúpido!"
A tendência à idealização dos demais enviesa a possibilidade de os conhecer realisticamente e com precaução, mediante uma gradual prudente avaliação. A desculpabilização das outras pessoas aquando de ofensas ou transgressões relativamente graves (por vezes acompanhada ainda pela auto-culpabilização) é frequente e abre as portas ao abuso continuado.
Por este motivo as pessoas com estrutura depressiva de personalidade são vulneráveis aos abusos emocionais (e não só) nas relações, nomeadamente por parte de estruturas narcísicas e projetivas de personalidade. Geram-se e mantêm-se relações sadomasoquistas por culpabilização (ou tortura) e crítica inferiorizante (ou humilhação) de um dos companheiros, que absorve sem defletir toda esta malevolência e inferiorização continuada. As estruturas depressivas, devido à baixa autoestima, procuram muitas vezes relações com estruturas narcísicas e projetivas, que de um ponto de vista da saúde mental, são estruturas mais perturbadas que as estruturas depressivas. Contudo a forma como estas estruturas narcísicas tendem a proteger a frágil autoestima é precisamente pela dissociação interna daquilo que as perturba e atribuição/indução de tais aspetos nos demais (através da culpabilização ou critica, por exemplo). Assim, aparentam ser indivíduos fortes, ideais, com elevada autoestima, o que é particularmente sedutor e apelativo para a estrutura depressiva, já que é aquilo que sentem que lhes falta e mais desejam para elas. Por sua vez o narcísico não têm consciência (na maior parte das vezes) de sofrer essa falta pois procura manter a idealização de si a todo o custo. As pessoas que sofrem de depressão e baixa autoestima por vezes procuram relações com pessoas "fortes", que na verdade acabam por ser ainda mais frágeis que elas próprias, ainda que não o aparentem.
Uma característica relativamente frequente da depressão é a escassez ou ausência de memórias concretas e detalhadas (e não memórias imprecisas, vagas ou incoerentes) de momentos de envolvimento e convívio prazeroso e mesmo lúdico na infância com as pessoas mais importantes. Por vezes os factos são evocados pois se "sabe" que isso aconteceu, mas falta a memória concreta e muito mais importante, o prazer ligado à mesma que se percebe pelo sorriso (ou pela saudade) que a evocação da memória gera imediatamente. Outra característica também relativamente frequente é a idealização persistente das figuras parentais. Muitas vezes, por projeção da idealidade do Eu, a descrição das figuras parentais transmite a ideia de figuras perfeitas ou “sem nada a apontar”, que muitas vezes pouca semelhança têm com seres humanos realistas, que cometem erros para com os outros (para com o próprio nomeadamente) e carregam imperfeições (que poderão ter afetado o próprio negativamente), aspetos naturais de todas as pessoas e de todas as relações.
Em psicoterapia o trabalho na depressão implica necessariamente um trabalho de recuperação da própria idealidade e a inculpação do outro – a reversão do processo patológico.
“Quando os outros me conhecerem verdadeiramente não vão gostar de mim/vão achar que sou desinteressante.”
É uma noção e dinâmica relacional interiorizada na relação com outros significativos, gravada na memória afetiva que subsiste, e pode denúnciar como outrora, nas relações que eram mais próximas e íntimas, o desejo de estar e conviver, o interesse e o envolvimento das figuras próximas, não estava lá. Ou estava, mas perdeu-se precocemente, não foi suficientemente vivido. Também o ciúme intenso pode derivar de tal, uma vez que a própria pessoa não se sente a prioridade do interesse do companheiro ou companheira, sentindo-se em risco constante de ser facilmente substituída. São memórias afetivas (ligadas à baixa autoestima) de vivência e padrões relacionais passados, onde muitas vezes não se conseguiu viver suficientemente o sentimento de se ser o centro das atenções daqueles de quem se precisava e se dependia. Não se viveu suficientemente o sentimento de se ter sido a prioridade do interesse e do desejo dessas figuras cuidadoras.
“Pois… é isto que ganho por ser boazinha, nunca aprendo!” / "Quem me manda ser estúpido!"
A tendência à idealização dos demais enviesa a possibilidade de os conhecer realisticamente e com precaução, mediante uma gradual prudente avaliação. A desculpabilização das outras pessoas aquando de ofensas ou transgressões relativamente graves (por vezes acompanhada ainda pela auto-culpabilização) é frequente e abre as portas ao abuso continuado.
Por este motivo as pessoas com estrutura depressiva de personalidade são vulneráveis aos abusos emocionais (e não só) nas relações, nomeadamente por parte de estruturas narcísicas e projetivas de personalidade. Geram-se e mantêm-se relações sadomasoquistas por culpabilização (ou tortura) e crítica inferiorizante (ou humilhação) de um dos companheiros, que absorve sem defletir toda esta malevolência e inferiorização continuada. As estruturas depressivas, devido à baixa autoestima, procuram muitas vezes relações com estruturas narcísicas e projetivas, que de um ponto de vista da saúde mental, são estruturas mais perturbadas que as estruturas depressivas. Contudo a forma como estas estruturas narcísicas tendem a proteger a frágil autoestima é precisamente pela dissociação interna daquilo que as perturba e atribuição/indução de tais aspetos nos demais (através da culpabilização ou critica, por exemplo). Assim, aparentam ser indivíduos fortes, ideais, com elevada autoestima, o que é particularmente sedutor e apelativo para a estrutura depressiva, já que é aquilo que sentem que lhes falta e mais desejam para elas. Por sua vez o narcísico não têm consciência (na maior parte das vezes) de sofrer essa falta pois procura manter a idealização de si a todo o custo. As pessoas que sofrem de depressão e baixa autoestima por vezes procuram relações com pessoas "fortes", que na verdade acabam por ser ainda mais frágeis que elas próprias, ainda que não o aparentem.
Uma característica relativamente frequente da depressão é a escassez ou ausência de memórias concretas e detalhadas (e não memórias imprecisas, vagas ou incoerentes) de momentos de envolvimento e convívio prazeroso e mesmo lúdico na infância com as pessoas mais importantes. Por vezes os factos são evocados pois se "sabe" que isso aconteceu, mas falta a memória concreta e muito mais importante, o prazer ligado à mesma que se percebe pelo sorriso (ou pela saudade) que a evocação da memória gera imediatamente. Outra característica também relativamente frequente é a idealização persistente das figuras parentais. Muitas vezes, por projeção da idealidade do Eu, a descrição das figuras parentais transmite a ideia de figuras perfeitas ou “sem nada a apontar”, que muitas vezes pouca semelhança têm com seres humanos realistas, que cometem erros para com os outros (para com o próprio nomeadamente) e carregam imperfeições (que poderão ter afetado o próprio negativamente), aspetos naturais de todas as pessoas e de todas as relações.
Em psicoterapia o trabalho na depressão implica necessariamente um trabalho de recuperação da própria idealidade e a inculpação do outro – a reversão do processo patológico.